
Augusta Dantas
Silêncio de sintonia

O medo nem sempre fez parte de mim. Recordo uma menina de gargalhada fácil, singelamente feliz quando rodeada de crianças e com mil e uma aventuras para viver. Quando tudo mudou? Não sei. Perguntei a mim mesmas vezes sem conta e ainda não cheguei lá. Ainda estou num lugar desconfortável que me aperta o peito demasiadas vezes e me faz desejar ser bem menos do que sou. Sim, talvez fosse mais fácil do que carregar dentro de mim uma alma de tudo ou nada.
A única coisa que relembro como realmente incómoda na minha infância é o silêncio.
Silêncio de gargalhada.
Silêncio de grito.
Silêncio de música.
Silêncio de alma.
Silêncio de alegria e sintonia.
E quando essa quietude era quebrada pelos ralhetes da minha mãe, chegava o medo.
Medo do desamor.
Medo da desconfiança.
Medo do grito.
Medo do conflito.
Medo da tristeza e da incerteza.
Afinal, talvez o medo tenha feito sempre parte de mim. Talvez eu tenha querido esquecer e acreditar que não. E com isso fiquei sem saber qual era a verdade. É que memória de criança consegue ser bem enganadora. Por vezes, fazer caber um coração tão grande num ser tão pequenino pode ser um grande desafio. E a salvação é esquecer. Esquecer para viver feliz nos dias em que a vida dói. Mas então crescemos e, como um rio que sabe de cor o percurso até ao mar, tudo volta. E volta maior.
Se eu pudesse falar hoje com essa criança que um dia houve em mim, eu diria: Vale sentir! Sentir tudo. Sentir muito. Só não vale sentir pena de não ter sido.
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